As refeições anticrise
Ikea, terça-feira, hora do jantar. Tânia Ferreira está sentada com o filho, Afonso, de 5 anos. Desta vez, não vieram comprar estantes, nem acessórios para a casa de banho. O miúdo tem um prato de almôndegas na mesa, a mãe prefere o menu que inclui a sugestão do chef, bebida e uma gelatina. Em vez de fazer o jantar depois de um dia de trabalho cansativo, a técnica de telecomunicações de 33 anos preferiu fazer alguns quilómetros, do bairro lisboeta de Campolide à superfície de mobiliário sueco. Um hábito que não dispensa pelo menos duas a três vezes por mês. "Até viria mais, se vivesse perto", diz à SÁBADO. A conta: pouco mais de 7 euros pelos dois, com direito a encher o copo de bebida quantas vezes quiserem.
Todos os dias, 4 mil clientes passam pelos restaurantes do Ikea de Alfragide e de Matosinhos. A conta é simples de fazer: por ano, 1,5 milhões de portugueses (e espanhóis da Galiza) aplicam o conceito low-cost à comida. O menu infantil custa 1 euro, se for com massa. O preço é igual para o pequenoalmoço, que inclui pão, bolo, manteiga, compota, queijo, fiambre e um sumo. O café é grátis até às nh. E também há cachorrosquentes à venda num espaço mais pequeno, o bistrô. Nos dias úteis servem-se 2.500 hotdogs - aos sábados o número sobe para 4.000. Não que os clientes tenham um apetite voraz por salsichas cobertas por cebola frita. O preço é uma razão mais forte: custam apenas 50 cêntimos. Aqui, é possível fazer as quatro refeições do dia por pouco mais de 10 euros: os menus de almoço e de jantar variam entreis e 5,5 euros. Há lombo de bacalhau, salmão, pratos vegetarianos e as incontomáveis almôndegas suecas, com molho de natas e geleia de mirtilos.
NEM TODOS OS QUE VÃO ao restaurante levam uma estante Billy: "No caso de Alfragide, temos bastantes clientes que se deslocam à loja apenas para comer, tendo em conta o grande número de empresas na zona. Sobretudo aos fins-de-semana há famílias inteiras que vão de propósito às lojas atraídas pela oferta da Ikea Foods", diz Hélder Ferreira, responsável por esta área de negócios da empresa. E até há famílias que ali celebram aniversários. Em Portugal, a empresa não revela números de facturação mas, de 2008 para 2009, dois anos de crise, a cadeia subiu em 11% as vendas no restaurante, cafetaria, bistrô e loja de produtos alimentares suecos, em Matosinhos e Alfragide. A subida pode ser ainda maior com a abertura, este ano, de uma nova superfície, em Loures.
Em Espanha, onde os menus custam praticamente o mesmo, a tendência é idêntica: em 2009, os restaurantes das 11 lojas espalhadas pelo país registaram um aumento de 10% face ao ano anterior, facturando 46,4 milhões de euros. Serviram 20 milhões de clientes e venderam oito milhões de almôndegas e cinco milhões de cachorros-quentes.
Compreende-se o apetite: não só fica mais barato do que jantar num restaurante tradicional, como pode significar uma diferença de alguns euros em comparação com os espaços de fastfood dos centros comerciais. Mas os preços não são a única preocupação do Ikea. No restaurante, entre escolher, pagar e sentar-se, o tempo máximo previsto é de 10 minutos. No bistrô desce para três. Há duas filas paralelas e quatro caixas de atendimento. A SÁBADO fez o teste com casa cheia e demorou 15 minutos a sentar-se. O maior inconveniente é andar de tabuleiro na mão, à procura de mesa.
Este não é um problema no restaurante do supermercado Pingo Doce na rua Tomás Ribeiro, em Lisboa. É sexta-feira, são 14h e a mesa 35 está vaga. Naquele que já foi um cabeleireiro famoso, é agora possível comer um arroz de pato ou uma feijoada à brasileira por 3,99 euros - e ainda ser servido à mesa. Os funcionários circulam pela sala com rapidez, registam os pedidos electronicamente e o prato chega em poucos minutos. Um copo de vinho de uma marca exclusiva do Pingo Doce custa 90 cêntimos e a sobremesa 75. Estes preços só são possíveis porque os ingredientes são fornecidos pelos supermercados Jerónimo Martins.
Pelo País, há 23 restaurantes do género, mas só três (os da Tomás Ribeiro, Linda-a- Velha e Alvide) têm serviço de atendimento à mesa. Tal como no Ikea, quem vem a estes restaurantes não se sente obrigado a fazer compras no supermercado. "Trabalho no Marquês e subo a avenida Fontes Pereira de Melo apenas para almoçar. Perto do escritório há várias opções, mas nada tão barato e com tanta qualidade. E não tenho de andar à procura de mesa, como acontece num centro comercial", diz Diogo Santos à SÁBADO. Há outra vantagem: os almoços são servidos do meio-dia às 16h, permitindo refeições tardias.
O único inconveniente é o café - tem de o tomar ao balcão, na cafetaria. O restaurante da Tomás Ribeiro, que como os outros se chama Refeições no Sítio do Costume, foi o primeiro a abrir, há três anos. Chega a ter fila à porta. A Jerónimo Martins recusa revelar números de facturação apenas dos restaurantes, mas garante que "a evolução das vendas tem sido muito positiva e acima das expectativas".
O NEGÓCIO É TÃO promissor que também a Sonae Distribuição quer expandir as cafetarias Bom Bocado, integradas nas galerias, junto aos hipermercados Continente - os espaços da marca, que nasceu em 2008, estão a ser transformados em restaurantes. O primeiro abriu no Continente da Amadora e o último, há uma semana, no Leiria Shopping. Este ano deverá abrir uma nova loja, no Norte. Começaram como apoio aos clientes do hipermercado, mas estão a ganhar vida própria e poderão ser encontrados em centros comerciais onde a Sonae não está.
Aqui, um menu de sopa e bebida custa 1,80 euros. E pode optar por uma criação do chef'Luís Baena (do recém-inaugurado restaurante Manifesto), que colaborou na concepção dos pratos do dia. Com bebida, custa 5,20 euros. "É uma área que está a crescer. Basta acompanhar os resultados e os investimentos que têm sido feitos pelos principais operadores, como a McDonalds e a Ibersol", justifica Mário Karim, director do Bom Bocado. Só este ano, entre cafetarias e restaurantes, a Sonae prevê abrir 31 novos espaços, um investimento de 5 milhões de euros. O motivo é evidente: "Desde 2008, duplicámos a facturação."